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domingo, dezembro 12, 2004

O Adversário

Sou avesso a dramas, exceto quando um dentre meia-dúzia de atores e atrizes estão a frente dos filmes. Daniel Auteuil é um desses atores. Um sujeito capaz de transmitir dor e doçura com um olhar apenas. Mais conhecido no Brasil pela sua hilária participação em O Closet (Le Placard) de 2001, o ator encabeça o elenco do perturbador O Adversário (L'Adversaire), produção francesa de 2002, que não foi exibida nos cinemas de Salvador, até onde sei.

Tendo visto alguns filmes do Daniel Auteuil, fiquei extremamente curioso, já em 2001, quando tomei conhecimento da estória (ainda em pré-produção). Desde então, tenho esperado ansiosamente pela oportunidade de vê-lo. Finalmente, ontem, o fiz.

A estória é estarrecedora. Em Janeiro de 1993, Jean-Claude Romand matou seus pais, sua esposa e seus filhos antes de tentar se matar sem sucesso. Durante as investigações, a polícia francesa descobriu que Romand se fez passar por médico e colaborador de orgãos internacionais em Genebra por 18 anos. Prestes a ser desmascarado, cometeu os crimes para não ter que encarar a verdade diante de sua família. O Adversário é inspirado no livro do escritor Emmanuel Carrère, de mesmo nome, escrito sobre estes fatos.

O filme abre com uma frase do próprio Carrère, em seu livro: "Pior que ser desmascarado, é não sê-lo." Dai em diante, os roteiristas tentaram mostrar parte do caminho tortuoso do homem, aqui denominado Jean-Marc Faure (Auteuil), em sua farsa, começando com o dia que Faure passa sozinho em sua casa, já com a família morta e contando a estória em retrospecto. A diretora Nicole Garcia, conforme sua entrevista nos extras do DVD, tentou fazer uma "biografia do vazio", deixando o personagem seguir seu caminho até o desenlace final. Um filme simplesmente aterrador e fascinante ao mesmo tempo.

A estória vai e volta no tempo, acompanhando cada passo de Faure enquanto seu mundo de mentira vai lentamente sendo destruído, trechos da vida do personagem em família são mesclados com suas reações após matar a família, fazendo com que o espectador sofra os dois lados das vítimas: Faure e sua família antes e depois do assassinato.

Além de uma estória poderosa, O Adversário é uma aula de cinema. Direção, roteiro, fotografia, iluminação e trilha sonora são todos conjugados para tornar a narrativa mais forte e agarrar os sentidos e sentimentos do espectador, como na seqüência em que Faure tentar contar o começo da farsa ao amigo Luc, onde ele (Faure) é iluminado apenas do pescoço para baixo, tendo sua face na mais profunda escuridão, tal e qual a própria alma do personagem. Talvez este seja um dos filmes mais bem dirigidos de toda a história do cinema, pela mão tranqüila e madura da diretora Nicole Garcia.

Nicole Garcia é certamente responsável por tirar o máximo dos atores envolvidos na produção. Daniel Auteuil tem aqui, provavelmente, sua melhor performance em todos os tempos (ainda mais espetacular que em A Rainha Margot). Uma performance que merecia mais atenção, mas que foi indicada apenas para o César em 2003. Não posso comparar o desempenho dos demais atores e atrizes uma vez que não conheço suas carreiras, mas posso afirmar que todos estão excepcionais.

O Adversário é um filme perturbador, terrível, com uma estória que vai fundo na alma do espectador e o faz refletir sobre sua própria vida, e que é conduzido magnificamente pela diretora e por toda equipe. Sem julgar nenhum dos personagens envolvidos na tragédia, a diretora nos entrega um drama que não será facilmente esquecido. Um dos melhores filmes de todos os tempos.